terça-feira, novembro 03, 2020

azul

 Azul era (ainda) a cor dos olhos daquela pequena gata que chorava, como se uma criança fosse, no meio de um silvado. Era pequena, não teria ainda duas semanas de vida, e fora "abandonada" pela progenitora (nunca saberei a razão). Quis o destino que as nossas vidas se encontrassem ali e que, por pena de a ver tão pequena e indefesa, tenha optado por a levar comigo para casa em vez de a deixar no gatil... Este foi o início de uma aventura, da nossa aventura.
Acompanhou-me até à sua nova casa dentro da mala da mota, aconchegada em trapos, e comprar leite nesse dia/noite, porque ainda não era grande o suficiente para comer, foi apenas por especial favor da funcionária de uma loja de animais, que saiu mais tarde do trabalho, para que pudesse comprar uma lata de leite em pó. Durante algumas semanas a gata, que iria perder o azul dos olhos, recebeu o nome de Zula, a gata monocromática, cinzenta e branca de rabo longo e andar trapalhão acompanhava-me quando ia trabalhar (os horários de alimentação eram para cumprir!) e assim foi crescendo... e que bonita e querida ficou...
Era comum receber-me à porta, tal como era comum fugir porta fora assim que entrava. Por vezes deixava-me na dúvida se era uma gata ou um papagaio, tal a destreza e à vontade com que se colocava nos meus ombros. As cabeçadas de gato pela manhã quando me vinha tirar da cama, as sestas ao colo assim que me sentava, a comida roubada da mesa ao virar as costas, a amizade de sazonal (no inverno a Sina, uma gata mais velha, aceitava-a na sua "casota" para assim tornar o inverno mais confortável), os ataques ferozes (mas sempre sem unhas) por entre as guerrinhas no tapete da sala, as buscas intermináveis para a encontrar antes de a "pôr para dormir" à noite, as sestas que guardou às crianças... tudo isso acabou hoje de manhã. Depois de quase uma semana internada e definhando pouco a pouco, voltou para casa e depois de tantas mais complicações, o corpo da Zula sucumbiu à exaustão e nada mais restou fazer que vê-la partir... enquanto lhe acariciava o pelo uma e outra vez de coração dorido, pedi-lhe perdão, por não ter conseguido ser melhor do que fui, por não lhe ter dado tanto quanto me deu a mim, pelos erros que para com ela cometi...
No mesmo monte onde te encontrei e de onde te trouxe, há pouco mais de seis anos, hoje, deixei-te, com um último abraço. Adeus Zula...